domingo, 11 de outubro de 2009

Poupar se aprende na escola

Cada vez mais, colégios ensinam crianças a planejar gastos pessoais, guardar dinheiro para o futuro e evitar o consumismo. Especialistas apoiam e incentivam a iniciativa
Paola Carvalho
Zulmira Furbino

Diagnosticar, sonhar, ousar e poupar. Essas são as palavras escritas a giz no quadro da sala do quarto ano do Colégio Batista Mineiro, no Bairro Floresta, Região Leste de Belo Horizonte. Os alunos, entre 9 e 10 anos, têm na ponta da língua as lições sobre consumo e finanças pessoais. “Gastamos dinheiro com o necessário, que é aquilo que serve para nos manter. E planejamos para gastar com os desejos, com lazer”, diz Iago Rocha. E, na contramão dos pais, emenda: “Eu compro coisas que eu quero e que preciso, mas meus pais gostam de comprar desejos”, conta. Bárbara Maria também demonstra ser consciente ao usar o pouco que consegue juntar. “Vou economizando o dinheiro do lanche para, no fim de semana, gastar sem ter que pedir dinheiro para o meu pai”, afirma. Letícia Monteiro faz planos ainda mais audaciosos. “Há dois anos junto dinheiro para comprar uma guitarra. Acho que em 2010 vou conseguir.”

São atitudes singelas, que parecem não ter grande efeito no futuro desses jovens estudantes. A coordenadora pedagógica, Fernanda Maciel Soares, explica, contudo, que o aprendizado sobre o dinheiro faz parte da formação de uma criança cidadã. “É importante saber a história do dinheiro, a sua importância, formas, como usar, a diferença entre desejo e necessidade, saber planejar. Tudo isso ajuda a desenvolver desde cedo uma percepção mais crítica da realidade, para que se tenha uma vida melhor”, destaca, chamando a atenção ainda para o fato de que a criança é influenciada a todo momento pela mídia, pelos colegas da escola e nos grupos de convivência. “Não é que o brinquedo não seja importante, mas é bom ter discernimento”, frisa.

A ideia da educação financeira para crianças e adultos começou a ser disseminada no Brasil há cerca de uma década, o que não quer dizer que tenha sido incorporada pela sociedade. Na avaliação do professor de finanças pessoais Rafael Paschoareli, a semente foi plantada, mas levará tempo para que os frutos sejam colhidos. “A cultura financeira ainda não está arraigada na vida dos adultos. Por isso, é difícil para os pais ensinar aos filhos como controlar o dinheiro quando nem eles sabem fazê-lo”, explica. De acordo com ele, esse aprendizado ainda levará pelo menos uma geração. Paschoareli acredita que as escolas ainda não estão bem orientadas e lamenta que a matéria não faça parte da grade curricular da esmagadora maioria das escolas brasileiras. Enquanto isso, os pais precisam, sozinhos, fazer o dever de casa.

O consultor financeiro Erasmo Vieira dá algumas dicas. O primeiro passo é explicar da onde vem o dinheiro, como funcionam os cartões de crédito e cheque, além de mostrar como é difícil ganhá-lo. O segundo, é tentar fazer planos com os filhos. “Estabelecer um objetivo ou sonho que motive a criança a deixar de gastar com uma coisa para conquistar outra”, explica. Uma ferramenta útil para ensinar como administrar o dinheiro é a semanada. Qual o valor ideal? Segundo os especialistas, R$ 1 para cada ano de idade. Outra orientação é explicar a diferença entre desejo e necessidade, mostrando as consequências de cada uma das escolhas. “É uma forma de começar a introduzir outro assunto, o orçamento financeiro”, afirma.

MITOS O consultor também afirma que a criança tem que aprender a esperar. “O pai tem que dizer. Comprar agora até pode, mas, se dividir, vamos pagar juros, ou seja, gastar mais dinheiro para comprar a mesma coisa. Se juntar para comprar à vista, pode ter até desconto”, exemplifica. O especialista tenta derrubar o mito de que levar criança em supermercado é sacrifício. “O filho deve fazer uma lista e os pais dão a ele uma quantia para comprar todos os itens com o dinheiro. A criança terá de fazer escolhas, aprendendo, com isso, a ter limite”, observa.

As lições são muitas, mas antes de tudo os pais precisam dar o exemplo, acredita a educadora financeira Cássia D’Aquino. “Uma criança aprende muito mais observando do que com um discurso que não é colocado em prática”, alerta. Para ela, o ensino de finanças pessoais no país é incipiente e, quando acontece, nem sempre é de boa qualidade. “Essa é uma área nova, por isso, os pais devem tomar cuidados com os cursos que são ofertados, já que muitos querem explorar esse novo nicho sem contar com a formação adequada”, avisa.

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