quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Diretora apedrejada por aluno

Charles Guerra/Diário Catarinense
Sindicato de professores diz que o caso é o 15º este ano na mesma escola

Florianópolis – A diretora Miriam dos Santos, da Escola de Educação Básica Celso Ramos, no Bairro Prainha, em Florianópolis, foi agredida com uma pedrada por um aluno de 15 anos. Segundo a Secretaria de Educação de Santa Catarina, Miriam teria chamado a atenção do estudante que estava fora da sala de aula. Após sofrer a agressão na cabeça, a diretora ainda teria sido ameaçada pelo adolescente, que prometeu vingança caso ela denunciasse o fato.

Abalada, a vítima pediu afastamento por 10 dias do cargo. Os professores, após a agressão, realizada na sexta-feira, paralisaram as atividades em protesto contra falta de segurança na escola. Uma reunião amanhã entre professores, pais e comunidade deve decidir quando as aulas serão retomadas e quais medidas serão adotadas para garantir a segurança.

De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (Sinte/SC), esse foi o 15º caso de agressão a professores da mesma escola somente este ano. “Ele não é isolado. Somente este ano foram 15 casos de agressão a professores na mesma escola. Desses, cinco registraram boletim de ocorrência”, disse Anna Julia Rodrigues, secretária geral do Sinte/SC.

De acordo com o sindicato, a escola está sucateada e precisa de políticas públicas voltadas para o convívio social entre alunos e professores. “O aumento da segurança no local é apenas uma medida paliativa. Defendemos uma escola cidadã, o maior convívio social entre alunos, professores e comunidade. Não só essa como outras escolas do estado carecem de medidas sociais, como atendimento psicopedagógico”, afirmou.

sábado, 9 de outubro de 2010

Casa aposta em projetos sociais

Casa aposta em projetos sociais
“Olho ao redor/O que me cerca?/ As opções são poucas/Funk, pagode, futebol/ Boteco, a igreja e a boca...” A letra de rap fala sobre a realidade desses meninos e meninas. Sem opções de lazer e educação, a rua e o tráfico ganham a criança. Para tentar reverter esta situação, a Casa de Cultura Evailton Vilela aposta em diversos projetos sociais com objetivo de preparar, educar, fazer novos discípulos e enviar os multiplicadores para a sociedade. “A casa de cultura surgiu como uma alternativa para tentar amenizar as situações que éramos obrigados a conviver em nossa comunidade, como conflitos entre galeras do mesmo bairro e adjacentes e tentando amenizar a situação causada pela ociosidade dos nossos jovens que canalizam muita energia , mas não têm onde descarregar. A casa de cultura surgiu como uma via de mão dupla para conhecer e ensinar a ensinar, criando uma forma pedagógica de se criar multiplicadores culturais e dizer, por meio de ações, que nem tudo está perdido”, conta Negro Bússola, coordenador do espaço.
A casa, na Rua Bady Geara 999, atende crianças, adolescentes e adultos interessados em aprender. Há aulas de capoeira, funk, break, street dance, alfabetização, informática e canto. Já são mais de 1.500 assistidos nas oficinas oferecidas pelo projeto. Segundo Bússola, um terreno já foi cedido pela Prefeitura, onde será construído um complexo cultural na Zona Sul. “Estamos montando curso de audiovisual e de fotografia, mas dependemos de salas para abrigar um laboratório. Hoje temos um espaço que foi cedido pela Prefeitura e queremos edificar um complexo cultural onde funcionará o Museu da Memória da Pessoa Comum, o Núcleo de Áudio Visual da Casa de Cultura, além das oficinas e cursos profissionalizantes.”
A casa foi semifinalista, neste ano, do Prêmio Itaú-Unicef. Na categoria ONG, concorrem projetos socioeducativos feitos diretamente por organizações não-governamentais com crianças e adolescentes de 6 a 18 anos.

Alguns trechos das redações *

O que as crianças e os adolescentes pensam sobre o crack
M.S, 10 anos
“Quem usa o crack, para mim, é uma pessoa que se acha carente e tem medo da realidade, do mundo em que vive. Tornando-se usuário, ele acha que está diminuindo seus problemas, mas, na verdade, está apenas aumentando e escondendo a realidade.”
R.V, 11 anos
“Por que a sociedade se esconde entre quatro paredes, quando, na verdade, o crack invade grades e portões? Ele se torna visível quando queremos enxergar e, ao mesmo tempo, invisível quando fazemos vista grossa e quando julgamos que o crack entre quatro paredes é diferente do crack fumado pelos filhos da rua.”
D.T, 11 anos
“O traficante não está ligando se você vai morrer ou não. Ele quer saber do dinheiro e nem um pouco da sua saúde.”
V.G.M, 12 anos
“O usuário pega o dinheiro da família e compra a droga, mas, se a família não tem dinheiro, o usuário rouba as coisas e vende. Ele pode até matar pessoas inocentes para pegar dinheiro e comprar o crack.”
T.D, 13 anos
“Tem gente que vende suas roupas, sapatos por uma pedra de crack, vende seus próprios filhos por causa do vício, vende seus alimentos, vende seu corpo, manda seus filhos venderem sua virgindade. Tem mãe que prende seu filho e tem filho que bota fogo no próprio lar.”
M.G.J, 13 anos
“Quando o usuário usa a droga, ele tem a sensação de ser soberano, melhor do que era antes. Isso leva a pessoa a usar frequentemente e, quando não usa, causa depressão, fazendo o usuário ficar agressivo. (...) Se você refletir, a pessoa que usa a droga tem uma sensação de soberano, mas, na verdade, é o perdedor porque o crack vai matando devagar, por isso ele é um inimigo invisível (...)
* Os trechos foram reescritos pela Tribuna, mantendo todo o pensamento dos adolescentes, mas desconsiderando erros de português para facilitar a compreensão
Crianças relatam os exemplos em família
As redações foram divididas em três etapas. Na primeira, crianças e jovens precisavam escrever sobre o tema em geral, depois sobre o que sabiam sobre o assunto e, finalmente, propor soluções para problemas relacionados ao crack e à gravidez precoce. Além de falarem sobre o poder da droga, descreveram seus efeitos no organismo e as consequências negativas em suas famílias. A adolescente T.F.O, 15, resume: “O crack é o lixo do lixo que sobrou do resto das outras drogas que não foram utilizadas, que se juntam com bicarbonato de sódio (...) Cada vez mais, vemos jovens entrarem nesse labirinto, que não tem volta, nem saída, escolhendo para eles uma vida lamentável, trazendo dor e angústia para seus familiares e amigos.”
O menino R.A., 10, conta: “Eu tenho a experiência pelo meu tio, que usa o danado do crack (...) A pessoa vai começando a ficar muito nervosa e impaciente. (...) Outro sintoma é que a pessoa vai ficando muito magra, e isso vai levando à morte porque a pessoa fica com tanta vontade de usar o crack que vende toda sua comida e ele fica sustentado só pela droga. A pessoa fica fora de si, porque, até eu mesmo, já vi meu tio ficar fora de si. Ele me deu um tapa na cara que eu nunca mais esqueci. Minha avó passa muito aperto com ele. Ele bate no irmão dele, e os dois começam a brigar.” Apesar de ter apenas 9 anos, J.V.E, também demonstra estar próximo desta triste realidade.”Quando você fuma o crack, não respeita as leis(...) O crack é mais barato que a cocaína e mais forte. Da primeira vez que você fuma o crack, não quer mais parar de fumar. O crack vira vício. Meu padrasto era usuário de crack e vendeu todas as coisas da minha mãe. Deu uns R$ 1 mil, e ele gastou tudo no crack.”
J.G.A, 12, narra que o acesso é facilitado na periferia. “Um dia estava na praça, jogando futebol e, quando fui descansar, veio uma pessoa e deu a droga na minha mão. Eu fiquei confuso e joguei a droga logo no chão. Ele me deu porque a polícia estava vindo.”
Vulneráveis
O fácil acesso é o que mais preocupa especialistas. Psicóloga e coordenadora do Cras Sul, Ana Nery, diz que “esses meninos e meninas são mais vulneráveis por vários motivos. Primeiro, porque têm acesso ao ambiente de comercialização. Em segundo, pela crise de valores que vivemos hoje. Todos os valores se perderam com o imediatismo e o consumismo, e com a ausência ou quebra da família. Que modelos esses meninos têm? Quem são seus líderes? Nessa fase, entre a infância e a juventude, os meninos buscam ser aceitos. Precisam se grupalizar e, onde encontram isso, submetem-se ao grupo. Em terceiro, está a privação de acesso a outras possibilidades, principalmente culturais e educacionais. Com programas insuficientes, eles têm o círculo de vida reduzido em: escola, casa, vizinhança e rua.”
A pedagoga Luiziana Sabião concorda e ainda destaca a preocupação com a falta de proteção das crianças e com a perda do universo infantil, enfatizando ainda a necessidade de união entre família, escola, sociedade e Poder Público. “Essa é a grande fragilidade. A relação entre família e entidades. Isso tem que acontecer porque senão não sabemos onde vamos parar.”
‘Não quero isso para a minha vida’
As histórias relatadas nas composições falam de traficantes, vizinhos, de parentes, de amigos. Histórias que se assemelham umas às outras, mas que tratam de dramas diversos. Para não expor nenhum participante, a Tribuna não os identificou. O adolescente L.S, 13, denuncia: “Lá perto da minha casa, tem oito casas de fumo e tem crianças e adolescentes de 12 e 15 anos vendendo crack.”
Moradora da mesma região, a menina I.O. tem apenas 10 anos e diz que conhece outras crianças que já são usuárias. “Conheço meninos e meninas de 11 anos que já são usuários de droga, já vendem, já usam e tudo mais. Têm algumas que até já se prostituem para poder usar a droga. Eu queria que esta porcaria de crack acabasse porque o mundo iria estar bem melhor.” W. A. J., 12, também já sabe que muitas usuárias se prostituem para conseguir a pedra. “A minha vizinha é viciada. Ela faz qualquer coisa por isso. Ela leva homem para casa dela para ganhar dinheiro para comprar a droga. Ela tem um irmão que também é viciado. Eu acho que o crack não devia existir.”
A garota J.A.C., 12, destaca o poder lesivo da droga. “Eu penso que o crack mata milhares de pessoas, como foi o caso do meu amigo V., que morreu. Se ele escutasse os amigos, não estaria morto essa hora. O pior era que ele oferecia a outras pessoas para usar. Tem também muitas pessoas que são presas, como o P.. Se ele não tivesse vendido droga, não estaria preso.”
I.S. é ainda mais nova. Tem 8 anos, mas já conhece a história do tio usuário. Para ela, “o crack vem para destruir a vida das pessoas.” O garoto C.J, 12, também contou com sinceridade emocionante a vida do tio que perdeu tudo por causa da droga. Já I.L., 12, disse que um conhecido da família ofereceu crack ao tio, que se viciou. A menina N.L, 14, chega a comparar o traficante a um assassino. “Conheço um rapaz que há quatro anos conheceu seu assassino: um homem que lhe ofereceu crack.”
A ideia de perda está presente nos textos. O menino R.C., 10, inspirou-se nas histórias que cercam sua casa. “Tinha um tio que era gordo, bonito, mas agora está velho e acabado porque usou o crack. Agora ele não tem mais nada. Perdeu a mulher e vendeu tudo. Agora está morando na rua (...) Meu pai usava crack, e ele ‘rapava’ tudo para usar crack, pedia dinheiro a minha mãe. Mas, com a graça de Deus, ele parou. Ele me fala que ficar na cadeia é que nem morrer. Não quero isso para a minha vida.”

Crianças apontam crack como causa de violência

Crianças apontam crack como causa de violência
Renata Brum
Repórter
“Eu penso que o crack é o inimigo mortal da vida, que pode destruir casas, trabalhos, vidas, sonhos.” O sentimento de M.B, de 10 anos, sintetiza o que pensam também outros 270 crianças e adolescentes moradores de bairros da Zona Sul, como Ipiranga, Bela Aurora e Santa Luzia. Em um concurso de redação, com o tema “Crack: o inimigo invisível”, estudantes entre 7 e 17 anos colocaram no papel suas impressões sobre os assunto que ganha cada vez mais destaque no cenário local e nacional. A Casa de Cultura Evailton Vilela, localizada no Ipiranga, e coordenadora da ação inédita, possibilitou à Tribuna o acesso a todas as redações. O material expõe o olhar destes meninos e jovens da periferia sobre um inimigo que, para eles, destrói o que encontra pela frente: bens, empregos, amizades e relacionamentos. Como atores desta realidade, narram histórias verídicas que poderiam contribuir para a criação de políticas públicas contra a epidemia local do crack. Outro tema de redações foi a “Gravidez precoce”, problema recorrente e muito próximo da realidade deste público.
A consciência do cotidiano revelada nas redações assusta. Com 11 anos de idade, a menina G.A. escreve: “São milhares de crianças e adolescentes que se envolvem com o crack. Têm três opções: cadeia, cemitério ou hospital”, sentencia. Já a garota J., 12, detalha os estragos: “O crack é vendido em qualquer lugar: casa, bares, comércios. Eu penso que, um dia, várias pessoas vão morrer, mais do que agora, pois as autoridades já não estão dando conta. E aí está o resultado de tudo isto: brigas, mortes, penas de vários anos na cadeia, famílias incompletas e sem esperança de um dia acabar com tudo isto. E mais e mais crimes, roubos, assassinatos para sustentar quem é viciado.”
Nas redações, há unanimidade de que o crack é causa de violência familiar, de destruição dos laços familiares, de prostituição e até de mortes por dívida. Na maioria das composições, os autores falam sobre o poder lesivo da pedra, que seria capaz de viciar no primeiro uso, e de suas consequências, como estimular a prática de furtos e roubos. Além de desenhar esta realidade, meninos e meninas propõem soluções para tentar mudar a situação. Eles apostam em mais policiamento, mais educação e lazer nas comunidades.
Amadurecimento forçado
Para a psicóloga social e coordenadora do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Sul, Ana Nery dos Santos, a maioria das ideias descritas são originadas da realidade de quem escreveu, mas há também parte do imaginário sendo explicitado. “O que eles contam é o que ouvem, mas também o que é observado, o que é vivido. Cerca de 60% a 70% dessas crianças têm essa vivência e têm acesso às informações muito densas, a ponto de pararmos para pensar se já deveriam estar tão conscientes. Muitos são forçados a ter autonomia precocemente porque, na maioria dessas casas, as mães são chefes de família e precisam trabalhar fora. Como há falta de um cuidador substituto, esses filhos são forçados a cuidar de si mesmos, e isso os tornam mais maduros.”
Negro Bússola, coordenador da casa de cultura, explica como surgiu a proposta do concurso, ocorrido no dia 25 de setembro, e que premiará, na próxima terça-feira, dia 12, os autores das 50 melhores redações, com bicicletas. “A ideia surgiu pela necessidade de criarmos uma medida de prevenção para esses dois problemas. Mas é também uma moção de repúdio contra os órgãos competentes que são omissos. As redações são uma forma de descobrir o mundo interior das nossas crianças e adolescentes, e, com base nelas, iremos propor políticas públicas e chamar os protagonistas para discussão. Eles são os atores, e essa é a realidade em que estão inseridos”, diz Bússola, referindo-se às redações.