sábado, 9 de outubro de 2010

Alguns trechos das redações *

O que as crianças e os adolescentes pensam sobre o crack
M.S, 10 anos
“Quem usa o crack, para mim, é uma pessoa que se acha carente e tem medo da realidade, do mundo em que vive. Tornando-se usuário, ele acha que está diminuindo seus problemas, mas, na verdade, está apenas aumentando e escondendo a realidade.”
R.V, 11 anos
“Por que a sociedade se esconde entre quatro paredes, quando, na verdade, o crack invade grades e portões? Ele se torna visível quando queremos enxergar e, ao mesmo tempo, invisível quando fazemos vista grossa e quando julgamos que o crack entre quatro paredes é diferente do crack fumado pelos filhos da rua.”
D.T, 11 anos
“O traficante não está ligando se você vai morrer ou não. Ele quer saber do dinheiro e nem um pouco da sua saúde.”
V.G.M, 12 anos
“O usuário pega o dinheiro da família e compra a droga, mas, se a família não tem dinheiro, o usuário rouba as coisas e vende. Ele pode até matar pessoas inocentes para pegar dinheiro e comprar o crack.”
T.D, 13 anos
“Tem gente que vende suas roupas, sapatos por uma pedra de crack, vende seus próprios filhos por causa do vício, vende seus alimentos, vende seu corpo, manda seus filhos venderem sua virgindade. Tem mãe que prende seu filho e tem filho que bota fogo no próprio lar.”
M.G.J, 13 anos
“Quando o usuário usa a droga, ele tem a sensação de ser soberano, melhor do que era antes. Isso leva a pessoa a usar frequentemente e, quando não usa, causa depressão, fazendo o usuário ficar agressivo. (...) Se você refletir, a pessoa que usa a droga tem uma sensação de soberano, mas, na verdade, é o perdedor porque o crack vai matando devagar, por isso ele é um inimigo invisível (...)
* Os trechos foram reescritos pela Tribuna, mantendo todo o pensamento dos adolescentes, mas desconsiderando erros de português para facilitar a compreensão
Crianças relatam os exemplos em família
As redações foram divididas em três etapas. Na primeira, crianças e jovens precisavam escrever sobre o tema em geral, depois sobre o que sabiam sobre o assunto e, finalmente, propor soluções para problemas relacionados ao crack e à gravidez precoce. Além de falarem sobre o poder da droga, descreveram seus efeitos no organismo e as consequências negativas em suas famílias. A adolescente T.F.O, 15, resume: “O crack é o lixo do lixo que sobrou do resto das outras drogas que não foram utilizadas, que se juntam com bicarbonato de sódio (...) Cada vez mais, vemos jovens entrarem nesse labirinto, que não tem volta, nem saída, escolhendo para eles uma vida lamentável, trazendo dor e angústia para seus familiares e amigos.”
O menino R.A., 10, conta: “Eu tenho a experiência pelo meu tio, que usa o danado do crack (...) A pessoa vai começando a ficar muito nervosa e impaciente. (...) Outro sintoma é que a pessoa vai ficando muito magra, e isso vai levando à morte porque a pessoa fica com tanta vontade de usar o crack que vende toda sua comida e ele fica sustentado só pela droga. A pessoa fica fora de si, porque, até eu mesmo, já vi meu tio ficar fora de si. Ele me deu um tapa na cara que eu nunca mais esqueci. Minha avó passa muito aperto com ele. Ele bate no irmão dele, e os dois começam a brigar.” Apesar de ter apenas 9 anos, J.V.E, também demonstra estar próximo desta triste realidade.”Quando você fuma o crack, não respeita as leis(...) O crack é mais barato que a cocaína e mais forte. Da primeira vez que você fuma o crack, não quer mais parar de fumar. O crack vira vício. Meu padrasto era usuário de crack e vendeu todas as coisas da minha mãe. Deu uns R$ 1 mil, e ele gastou tudo no crack.”
J.G.A, 12, narra que o acesso é facilitado na periferia. “Um dia estava na praça, jogando futebol e, quando fui descansar, veio uma pessoa e deu a droga na minha mão. Eu fiquei confuso e joguei a droga logo no chão. Ele me deu porque a polícia estava vindo.”
Vulneráveis
O fácil acesso é o que mais preocupa especialistas. Psicóloga e coordenadora do Cras Sul, Ana Nery, diz que “esses meninos e meninas são mais vulneráveis por vários motivos. Primeiro, porque têm acesso ao ambiente de comercialização. Em segundo, pela crise de valores que vivemos hoje. Todos os valores se perderam com o imediatismo e o consumismo, e com a ausência ou quebra da família. Que modelos esses meninos têm? Quem são seus líderes? Nessa fase, entre a infância e a juventude, os meninos buscam ser aceitos. Precisam se grupalizar e, onde encontram isso, submetem-se ao grupo. Em terceiro, está a privação de acesso a outras possibilidades, principalmente culturais e educacionais. Com programas insuficientes, eles têm o círculo de vida reduzido em: escola, casa, vizinhança e rua.”
A pedagoga Luiziana Sabião concorda e ainda destaca a preocupação com a falta de proteção das crianças e com a perda do universo infantil, enfatizando ainda a necessidade de união entre família, escola, sociedade e Poder Público. “Essa é a grande fragilidade. A relação entre família e entidades. Isso tem que acontecer porque senão não sabemos onde vamos parar.”
‘Não quero isso para a minha vida’
As histórias relatadas nas composições falam de traficantes, vizinhos, de parentes, de amigos. Histórias que se assemelham umas às outras, mas que tratam de dramas diversos. Para não expor nenhum participante, a Tribuna não os identificou. O adolescente L.S, 13, denuncia: “Lá perto da minha casa, tem oito casas de fumo e tem crianças e adolescentes de 12 e 15 anos vendendo crack.”
Moradora da mesma região, a menina I.O. tem apenas 10 anos e diz que conhece outras crianças que já são usuárias. “Conheço meninos e meninas de 11 anos que já são usuários de droga, já vendem, já usam e tudo mais. Têm algumas que até já se prostituem para poder usar a droga. Eu queria que esta porcaria de crack acabasse porque o mundo iria estar bem melhor.” W. A. J., 12, também já sabe que muitas usuárias se prostituem para conseguir a pedra. “A minha vizinha é viciada. Ela faz qualquer coisa por isso. Ela leva homem para casa dela para ganhar dinheiro para comprar a droga. Ela tem um irmão que também é viciado. Eu acho que o crack não devia existir.”
A garota J.A.C., 12, destaca o poder lesivo da droga. “Eu penso que o crack mata milhares de pessoas, como foi o caso do meu amigo V., que morreu. Se ele escutasse os amigos, não estaria morto essa hora. O pior era que ele oferecia a outras pessoas para usar. Tem também muitas pessoas que são presas, como o P.. Se ele não tivesse vendido droga, não estaria preso.”
I.S. é ainda mais nova. Tem 8 anos, mas já conhece a história do tio usuário. Para ela, “o crack vem para destruir a vida das pessoas.” O garoto C.J, 12, também contou com sinceridade emocionante a vida do tio que perdeu tudo por causa da droga. Já I.L., 12, disse que um conhecido da família ofereceu crack ao tio, que se viciou. A menina N.L, 14, chega a comparar o traficante a um assassino. “Conheço um rapaz que há quatro anos conheceu seu assassino: um homem que lhe ofereceu crack.”
A ideia de perda está presente nos textos. O menino R.C., 10, inspirou-se nas histórias que cercam sua casa. “Tinha um tio que era gordo, bonito, mas agora está velho e acabado porque usou o crack. Agora ele não tem mais nada. Perdeu a mulher e vendeu tudo. Agora está morando na rua (...) Meu pai usava crack, e ele ‘rapava’ tudo para usar crack, pedia dinheiro a minha mãe. Mas, com a graça de Deus, ele parou. Ele me fala que ficar na cadeia é que nem morrer. Não quero isso para a minha vida.”

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