sábado, 9 de outubro de 2010

Crianças apontam crack como causa de violência

Crianças apontam crack como causa de violência
Renata Brum
Repórter
“Eu penso que o crack é o inimigo mortal da vida, que pode destruir casas, trabalhos, vidas, sonhos.” O sentimento de M.B, de 10 anos, sintetiza o que pensam também outros 270 crianças e adolescentes moradores de bairros da Zona Sul, como Ipiranga, Bela Aurora e Santa Luzia. Em um concurso de redação, com o tema “Crack: o inimigo invisível”, estudantes entre 7 e 17 anos colocaram no papel suas impressões sobre os assunto que ganha cada vez mais destaque no cenário local e nacional. A Casa de Cultura Evailton Vilela, localizada no Ipiranga, e coordenadora da ação inédita, possibilitou à Tribuna o acesso a todas as redações. O material expõe o olhar destes meninos e jovens da periferia sobre um inimigo que, para eles, destrói o que encontra pela frente: bens, empregos, amizades e relacionamentos. Como atores desta realidade, narram histórias verídicas que poderiam contribuir para a criação de políticas públicas contra a epidemia local do crack. Outro tema de redações foi a “Gravidez precoce”, problema recorrente e muito próximo da realidade deste público.
A consciência do cotidiano revelada nas redações assusta. Com 11 anos de idade, a menina G.A. escreve: “São milhares de crianças e adolescentes que se envolvem com o crack. Têm três opções: cadeia, cemitério ou hospital”, sentencia. Já a garota J., 12, detalha os estragos: “O crack é vendido em qualquer lugar: casa, bares, comércios. Eu penso que, um dia, várias pessoas vão morrer, mais do que agora, pois as autoridades já não estão dando conta. E aí está o resultado de tudo isto: brigas, mortes, penas de vários anos na cadeia, famílias incompletas e sem esperança de um dia acabar com tudo isto. E mais e mais crimes, roubos, assassinatos para sustentar quem é viciado.”
Nas redações, há unanimidade de que o crack é causa de violência familiar, de destruição dos laços familiares, de prostituição e até de mortes por dívida. Na maioria das composições, os autores falam sobre o poder lesivo da pedra, que seria capaz de viciar no primeiro uso, e de suas consequências, como estimular a prática de furtos e roubos. Além de desenhar esta realidade, meninos e meninas propõem soluções para tentar mudar a situação. Eles apostam em mais policiamento, mais educação e lazer nas comunidades.
Amadurecimento forçado
Para a psicóloga social e coordenadora do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Sul, Ana Nery dos Santos, a maioria das ideias descritas são originadas da realidade de quem escreveu, mas há também parte do imaginário sendo explicitado. “O que eles contam é o que ouvem, mas também o que é observado, o que é vivido. Cerca de 60% a 70% dessas crianças têm essa vivência e têm acesso às informações muito densas, a ponto de pararmos para pensar se já deveriam estar tão conscientes. Muitos são forçados a ter autonomia precocemente porque, na maioria dessas casas, as mães são chefes de família e precisam trabalhar fora. Como há falta de um cuidador substituto, esses filhos são forçados a cuidar de si mesmos, e isso os tornam mais maduros.”
Negro Bússola, coordenador da casa de cultura, explica como surgiu a proposta do concurso, ocorrido no dia 25 de setembro, e que premiará, na próxima terça-feira, dia 12, os autores das 50 melhores redações, com bicicletas. “A ideia surgiu pela necessidade de criarmos uma medida de prevenção para esses dois problemas. Mas é também uma moção de repúdio contra os órgãos competentes que são omissos. As redações são uma forma de descobrir o mundo interior das nossas crianças e adolescentes, e, com base nelas, iremos propor políticas públicas e chamar os protagonistas para discussão. Eles são os atores, e essa é a realidade em que estão inseridos”, diz Bússola, referindo-se às redações.

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