sábado, 13 de dezembro de 2008


Maratona de desrespeito
Professora relata como o vandalismo e as agressões em todas as escolas públicas por que passou a tiraram da frente do quadro e a esconderam atrás de pilhas de papel
Pedro Rocha Franco - Estado de Minas

Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Sob tratamento médico, Josemary se recorda da sucessão de episódios tristes e segue a recomendação de evitar aglomerações de estudantes
Em meados do próximo mês, completa-se um ano e meio que a professora Josemary Hespanha Almeida, de 51 anos, se distanciou das salas de aula e, para não pedir exoneração do cargo público, se mantém na função de auxiliar administrativo na secretaria da Escola Municipal Dinorah Magalhães Fabri, na Vila Cemig, no Barreiro, em Belo Horizonte. Escondida em meio a papéis e documentos, ela se mantém longe dos estudantes desde que, em maio do ano passado, um psiquiatra a diagnosticou como portadora de depressão, com aumento gradativo da pressão arterial. Desde então, ela faz tratamento com um antidepressivo e um tranqüilizante para controle da fobia social e das crises de pânico, além de se consultar uma vez por semana com um psicólogo.

Antes da primeira consulta com o psiquiatra, diversos fatores já indicavam o quadro depressivo, como a constante vontade de chorar, dores na cabeça e no peito e, principalmente, o desânimo com relação à profissão. Até o dia em que a filha, Carolina, de 30, enfermeira, mediu sua pressão e constatou que estava acima do normal. “Saía de casa sem vontade, cabisbaixa. Sabia o que me esperava”, conta. Mesmo sob medicação, a fobia dá sinais na presença de aglomerações de alunos, como na entrada e saída do colégio. “Frente a frente sinto enjôo, taquicardia e suor excessivo”, afirma. Para evitar os sintomas, na última consulta foi-lhe sugerido entrar e sair antes dos estudantes e restringir ao máximo o contato.

Até chegar ao delicado quadro, Josemary foi submetida a uma maratona de atos violentos. Em cada uma das escolas por que passou na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ela se recorda de pelo menos um incidente, mas, na maioria delas, a lista é extensa e envolve não apenas ela, mas também outros colegas de profissão. Na Escola Municipal Lucas Monteiro Machado, na Vila Pinho, no Bairro Vale do Jatobá, no Barreiro, um adolescente, de 19 anos, ajoelhou-se e implorou para que professora pagasse uma dívida dele com traficantes locais, pois, eles o esperavam na saída do colégio para o acerto de contas. Sem dinheiro, ele seria executado. “Não tinha o dinheiro na hora. Reuni os professores para juntar R$ 35. Se não o fizesse, teria de suportar o peso na consciência de vê-lo morrer”, conta.

Nessa escola, ela se acostumou a um ruído antes desconhecido: o de tiros. Não raramente, o bangue-bangue do lado de fora espalhava pânico na unidade. “Muitas vezes, ligavam para a escola avisando sobre possíveis tiroteios, sempre relacionados ao tráfico. As aulas eram imediatamente suspensas, os alunos, liberados e os professores corriam para casa”, recorda.

O sonho de ser professora acompanha Josemary desde a infância, quando brincava de escolinha e sempre assumia a frente do quadro. A diversão transformou-se em realidade e, aos 36 anos, ela se graduou em biologia. Desde a primeira vez que entrou em uma escola para lecionar, em 1993, as cenas de agressão e vandalismo se tornaram rotineiras. Na Escola Municipal Maria de Lourdes de Oliveira, no Bairro Jardim Teresópolis, em Betim, apesar de ter chegado em um mês de abril, era a quinta a ocupar a vaga naquele ano. “Ninguém agüentava”, conta. Com ela não foi diferente: foram sete meses até a saída.

“Durante a aula, um aluno começou a me ‘cantar’ e a falar expressões de baixo calão na frente de todos. Não agüentei. Dei três passos, pensei, me virei e disse que exigia respeito. Ele foi suspenso por uma semana e me ameaçou de morte. Ao voltar, não fazia mais nada, apenas me observava por baixo do capuz do moletom. Fui avisada pela supervisora de que ele era menor e estava sob custódia, pois já tinha matado uma pessoa. A pressão foi grande ao saber e decidi pedir para sair”, afirma, lembrando-se de mais um dos episódios que transformaram seu antigo sonho em um pesadelo.

COMBATE

Na rede municipal de ensino de Belo Horizonte, a Secretaria de Educação tem programado três ações estratégicas para reduzir o número de casos de violência. A primeira é o conjunto de ações do programa Rede pela paz nas escolas, com projetos de aproximação entre a comunidade e as unidades de ensino. Além disso, informa, há presença de vigilantes e porteiros em todas as escolas e a maioria conta com a presença da Guarda Municipal. Segundo o coordenador de Projetos Especiais de Educação da secretaria, Ismair Sérgio Cláudio, há casos que são comunicadas agressões, mas não em grande quantidade. Segundo estatísticas da secretaria, foram anotados 403 casos de ameaças a professores entre janeiro de 2004 e junho de 2008.

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