sábado, 13 de dezembro de 2008


Nota baixa, ameaça e socosPedro Rocha Franco - Estado de Minas

“Vagabunda, prostituta... você comprou o diploma!” Em tom de ameaça, esses e outros xingamentos foram dirigidos por uma estudante de 17 anos à professora Valéria (nome fictício), na Escola Estadual Maria Amélia Guimarães, no Bairro Pirajá, Região Norte de BH. O motivo era banal: a jovem ficou em dependência em ciências, na 6ª série do curso de Educação para Jovens e Adultos (EJA). Conhecedora da situação de risco da região e com medo de as palavras se transformarem em agressões, a educadora registrou boletim de ocorrência na Polícia Militar e pediu providências imediatas à direção da instituição, além de se negar a voltar a dar aulas para a aluna.

A solicitação de afastar a estudante da disciplina ministrada pela professora foi aceita pela direção e a aluna passou a fazer trabalhos e provas em sala separada dos colegas. Até mesmo as correções eram feitas pelo conselho de professores. Depois de meses das agressões verbais, já na 7ª série – o EJA garante a possibilidade de cursar cada série em seis meses no ensino noturno –, a aluna teve nova nota baixa em uma prova de ciências e não hesitou: decidiu tirar satisfações com a educadora.

Antes mesmo de falar qualquer coisa, a estudante a esmurrou no olho, apesar de Valéria não ter nenhuma relação com a pontuação. A professora foi à delegacia para registrar nova ocorrência e pedir proteção policial. Desta vez, com uma diferença: a aluna tinha completado 18 anos e podia responder criminalmente por lesões corporais. Dois meses depois, o juiz convocou as envolvidas para a audiência. “Primeiro, ela insinuou que eu a tinha agredido, mas depois a decisão foi pela conciliação e o arquivamento temporário do processo. Se ela voltar a me atacar nos próximos seis meses, posso pedir a reabertura”, afirma.

Por causa da agressão, a professora está afastada das salas de aula por um mês, enquanto a aluna segue freqüentando a escola. “É complicado, porque parte dos alunos tem vontade de aprender e esses acabam prejudicados. Nossa auto-estima vai lá embaixo e a vontade de ensinar, aos poucos, acaba.”

TENSÃO

Diante de fatos como esse, a socióloga Miriam Abramovay, doutora em ciência da educação pela Universidade René Descartes, na França, e autora de diversas publicações relacionadas ao tema violência nas escolas para a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e para o Ministério da Educação (MEC), observa que a instituição de ensino deixou de ser um local de paz para se transformar em um lugar de tensão permanente. “A escola é muito complexa, composta por atores sociais diversos. A grande questão é saber controlar a ‘panela de pressão’ e não deixar ações corriqueiras, como chamar atenção e tirar média de aluno, ganharem outra dimensão”, afirma.

O posicionamento do colégio, muitas vezes nas proximidades das áreas tidas como de risco social, também é visto como responsável por “contaminar”, de fora para dentro, tirando a tranqüilidade do espaço. “Principalmente, a rede pública é composta por diversidades econômicas e raciais e é preciso um saber respeitar o outro. O que é muito complicado, pois lidar com esquemas democráticos não é nada fácil e a conseqüência é para o aprendizado, dificultado pelo clima tenso”, afirma.

A especialista propõe a criação de políticas públicas e o mapeamento detalhado das relações sociais na esfera da educação, como é feito com o desempenho escolar. “Devem haver maneiras para melhor compreender o público atendido. Os jovens passam boa parte do dia na escola, que acaba responsável por sociabilizá-los, além de ensiná-los. Não se trata apenas de ir, aprender e voltar para casa. Os educadores acabam sobrecarregados. É louvável o empenho de alguns em criar programas, mas não bastam pontos isolados. É preciso somar as propostas e construir um plano mais amplo, com projetos de mediação, formação de professores e a criação de um portal para discussão entre os envolvidos”, conclui.

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